À Queima-Roupa (1967)

2 12 2016

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O cinema é fabuloso ao conceber imagens que impulsionam sentimentos e significados mas que, ao mesmo tempo, lhe escapam, lhe alargam. Um filme pode nos ajudar a representar — mas, para além, ajuda a extrapolar nosso próprio mundo. É da introdução de um thriller clássico — À Queima-Roupa (1967), de John Boorman — que retiro a imagem de uma sensação que parece se alastrar por todos nós hoje. Na introdução, vemos um homem (o sisudo Lee Marvin), nitidamente combalido, sozinho e cambaleante pela prisão de Alcatraz. Por entre essas imagens surgem suas memórias, que explicam desordenadamente como ele foi parar ali, abandonado para morrer.

Em poucos minutos aprendemos que ele foi traído em um roubo por seu melhor amigo e por sua esposa. Até aqui, um típico caso de vingança-a-caminho; mas é justamente na ida-e-vinda por episódios que construíram seu cruel destino, no caos subjetivo e simultâneo das memórias, que o sentimento de desolação se estabelece.

Que o homem vai agir e se vingar, pressupõe-se. Mas a montagem surpreende ao enriquecer a trama e embaralhar nossa percepção, desimportando uma mera cronologia dos fatos — atendo-se aos pontos-chave dessa vingança, mas também deixando-os um tanto borrados, amorfos. Confecciona-se uma nuvem com essas lembranças: uma teia que justapõe as tramoias e que culmina com a ousadia maior do protagonista – escapar, à nado, de Alcatraz. Um ato de desespero, um gesto a por sua vida em risco. Mas que vida se havia se tornado essa, afinal

Em pouco menos de 10 minutos de filme se apresentam: a farsa que o envolveu; seu luto por um mundo que já não há; sua desgraça e recuperação, isolado, antes de retornar; o movimento derradeiro de viver — e transformar sua perda em algo (que ele mesmo não controla). Atravessar o vazio de forma implacável é vingar-se, mas, acima disso, aceitar que não há retorno para o mundo em que vivia- definitivamente.

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