Sorcerer (1977)

7 08 2012

Por Osvaldo Neto, do Vá e Veja

É preciso muita coragem e determinação para sair do conforto de sua vida no meio urbano, viajar para a França, México, Israel e se jogar no meio do mato da República Dominicana por meses para fazer um filme. E foi isso que William Friedkin e boa parte de sua equipe fizeram nas filmagens de Sorcerer, de 1977 – sua versão para “O Salário do Medo” de Georges Annaud, um clássico da literatura francesa que também gerou a obra-prima de mesmo título para os cinemas, dirigida por Henri-Georges Clouzot.

O filme é um verdadeiro espetáculo de cinema que teve o azar de ter sido lançado simultaneamente com o arrasa quarteirões de 1977: “Guerra nas Estrelas”. Graças a tamanho equívoco por parte da Paramount, o filme de Friedkin – que então vinha do sucesso de “Operação França” e “O Exorcista” – arrecadou o montante de 12 dos 22 milhões de dólares de seu orçamento. Como se não bastasse o fracasso de público, a crítica também não foi muito gentil com o filme no período e, por pouco, isso não custou a carreira de Friedkin. Seus dois próximos longas seriam “Um Golpe Muito Louco” (The Brink’s Job) e “Uma Tacada da Pesada” (Deal of the Century), comédias de boa reputação, mas que talvez representem uma queda no que o realizador poderia nos oferecer se o fracasso de Sorcerer não tivesse acontecido. Foi com o lançamento de “Parceiros da Noite” (Cruising) e “Viver e Morrer em Los Angeles” (To Live and Die in LA) que ele voltaria a impressionar espectadores ao redor do mundo.

Sorcerer tem o seu foco em quatro personagens. Nilo (Francisco Rabal) é um matador profissional. O terrorista Kassem (Amidou) viu os seus amigos serem presos e mortos pela polícia após explodirem um banco em Jerusalém. Victor Manzon (Bruno Cremer) é um banqueiro francês que deixou o seu país para escapar de uma acusação de fraude. O ladrão Jackie Scanlon (Roy Scheider) foge da máfia depois de um assalto que deu errado. Nilo, Kassem, Victor e Jackie se encontrarão de exílio num vilarejo ferradíssimo de um fictício país da América Latina, um lugar onde eles não possuem a menor chance de sair.  Trata-se do verdadeiro Inferno na Terra: a corrupção toma conta do poder público, a miséria é algo rotineiro e os policiais mais se assemelham a bandidos que homens da lei, sem falar dos frequentes ataques de guerrilheiros populares. Com exceção dos revolucionários… até parece que estamos falando de um país que nós conhecemos muito bem. Enfim, voltando ao filme, é impossível não se perguntar como um ser humano pode viver naquele local, a não ser, claro, que ele tenha a intenção de se esconder do mundo.

A vila inteira depende economicamente de uma petrolífera americana. Um de seus poços explode e o fogo violento que emana dele apenas poderá ser apagado com a explosão de uma carga de dinamites. O porém é que essa carga foi armazenada de forma tão inadequada que está vazando nitroglicerina das bananas de dinamite e elas podem explodir a qualquer choque ou impacto. A empresa promete $10.000 para cada um dos quatro motoristas que irão transportar as dinamites em dois caminhões por um trajeto repleto de obstáculos nas selvas do país. Até mesmo o vento forte pode fazer com que as cargas se explodam. E serão os nossos protagonistas que não perderão essa chance de ir embora daquele lugar, mesmo que ela praticamente seja uma maneira imbecil de cometer suicídio.

As duas horas de duração do longa são muito bem utilizadas pelo diretor. Em nenhum momento temos um filme desinteressante, apesar de Friedkin contar essa história sem a menor pressa. Parte dos primeiros 30 minutos do longa são dedicados apenas para apresentar os quatro personagens principais. Um detalhe interessante é que Friedkin deixa por último a história que causaria mais identificação com o público americano, a de Jackie. Também é a única onde os personagens falam em inglês e as legendas não surgem em cena. A meia hora seguinte é focada no encontro entre eles e os preparativos para a insólita jornada. Os próximos 60 minutos serão marcados por um nível tão extremo de tensão que não seria surpreendente se o espectador acabasse roendo todas as unhas da mão (e dos pés também). O grupo Tangerine Dream – em sua estreia no cinema – apenas reforça o suspense alcançado por Friedkin com sua inesquecível trilha sonora nas impressionantes cenas que dominam a metade do filme. A cena da travessia da ponte é de deixar neguinho com o c* na mão.

Outro aspecto que complicou bastante o lançamento comercial de Sorcerer é o título: ele simplesmente não deixa claro sobre o que raios o filme deve ser. Como uma história sobre quatro homens que estão fugindo de seu passado em um país ferradíssimo do Terceiro Mundo e aceitam participar de um trabalho que pode custar as suas vidas tem este nome? É apenas no decorrer do longa que o espectador de olhar mais atento pode notar que o título pega emprestado o nome de um dos dois caminhões que levam os explosivos. Mas não deixe que esse título ruim atrapalhe a sua curiosidade em assistir ao melhor filme deste grande contador de histórias chamado William Friedkin. Sim, este seu modesto escriba acredita que o cinema poucas vezes atingiu a excelência de Sorcerer e ele tem certeza que você se juntará a ele no coro dos defensores deste grande filme que ainda não recebeu o devido reconhecimento. Sem falar que ele também apresenta um dos maiores desempenhos do genial Roy Scheider. Não são poucos os momentos em que Jackie parece ser o desespero personificado no corpo de um homem.

O DVD oficial da Warner é apresentado em fullscreen (4:3), não respeitando os enquadramentos da fotografia original. Infelizmente, esta é a única cópia de Sorcerer em circulação.

Sorcerer” – Excelente


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4 responses

9 08 2012
marcelo

Li que o Friedkin está brigando na justiça para conseguir os direitos de distribuição e lançar o filme novamente. Segundo palavras do próprio diretor Sorcerer precisa ser redescoberto.
Concordo. É cinema físico furioso na sua melhor forma.

9 08 2012
hqsubversiva

Onde você leu isso, compadre? Espero que seja verdade!

21 08 2012
marcelo

Numa entrevista recente, não lembro de que site. Mas olhei no google e notícias relacionadas. Olha só:
http://www.hollywoodreporter.com/thr-esq/william-friedkin-sorcerer-paramount-universal-311971

21 08 2012
hqsubversiva

Impressionante como os anos passaram e a injustiça contra este filme perdura.

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